domingo, 22 de julho de 2007

Olhar...

"As pessoas menosprezam o poder de um simples olhar. Há a tendência de se considerar a fala como o principal método de comunicação, pelos mais óbvios e elementares motivos: é com ela que nos entendemos, que dizemos o que está bem e o que está mal, que orientamos e desorientamos, que acariciamos e agredimos, que ofendemos e elogiamos, que comunicamos ao outro o que vai na nossa alma. Mas a palavra pode ser o reflexo da hipocrisia que queremos demonstrar, cada frase que proferimos pode estar carregada dos mais falsos juízos de valor sobre o que acreditamos e vivemos. A fala é uma arma, é uma faca de dois gumes, dicotomia constante e áspera entre dois mundos. A fala é o espelho do Homem, reflecte todos os seus defeitos e virtudes, ainda que não o percepcionemos na altura em que a palavra é dita. A fala é a mentira e a verdade, o imaginário e o concreto, mostra aquilo que somos e aquilo que queremos ser. Mas o olhar apenas reflecte a verdade. Há muitas frases feitas que versam sobre este tema: “o olhar é o espelho da alma”, “os olhos nunca mentem”… Cada uma sintetiza de forma correcta o verdadeiro e importante papel que a visão desempenha no nosso mundo, não apenas como forma de termos a primeira percepção do universo que nos rodeia, mas também como maneira de transmitirmos a esse universo o nosso mundo interior. Ainda que os nossos gestos indiquem que tudo está bem, o olhar denuncia que algo não está certo. Ainda que nos vangloriemos de um facto que não nos é legítimo, o olhar viaja para longe, como que tentando fugir da mentira que a fala impõe. Ainda que digamos detestar alguém, os olhos dizem amar. Se é facto que os olhos são o espelho da alma, não é menos verdade que apenas somos nós próprios quando só o olhar fala."

Daniel Lourinho de Campos, in "Quando só o olhar fala"

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